CRIADOR DAS COISAS "INVISÍVEIS": OS ANJOS
Audiência do dia 30 de julho de 1986
(Publicada no L'OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 3 de agosto de 1986.)
1. No Credo proclamamos e confessamos Deus criador não só de todo o mundo criado, mas também das "coisas invisíveis", e tratamos o argumento da existência dos anjos chamados a declarar-se por Deus ou contra Deus com um ato radical e irreversível de adesão ou de rejeição da sua vontade de salvação.
Ainda segundo a Sagrada Escritura, os anjos, enquanto criaturas puramente espirituais, apresentam-se à reflexão da nossa mente como uma especial realização da "imagem de Deus", Espírito perfeitíssimo, como Jesus mesmo recorda à samaritana com as palavras: "Deus é espírito" (Jo 4,24). Os anjos são, sob este ponto de vista, as criaturas mais próximas do modelo divino. O nome que a Sagrada Escritura lhes atribui indica que aquilo que mais conta na Revelação é a verdade acerca das tarefas dos anjos em relação aos homens: anjo (angelus) quer dizer, com efeito, "mensageiro". O hebraico "malak", usado no Antigo Testamento, significa mais propriamente "delegado" ou "embaixador". Os anjos, criaturas espirituais, têm função de mediação e de ministério nas relações mantidas entre Deus e os homens. Sob este aspecto, a Carta aos Hebreus dirá que a Cristo foi dado um "nome", e por conseguinte um ministério de mediação, muito mais excelso que o dos anjos (cf. Hb 1,4).
2. O Antigo Testamento salienta sobretudo a especial participação dos anjos na celebração da glória que o Criador recebe como tributo de louvor da parte do mundo criado. São de modo especial os Salmos que se fazem intérpretes desta voz, quando, por exemplo, proclamam:
"Louvai o Senhor, do alto dos céus,
Louvai-O nas alturas do firmamento.
Louvai-O, Vós todos os Seus anjos..." (SI 148,1-2).
E de modo idêntico o Salmo 102(103):
"Bendirei o Senhor, Vós todos os Seus anjos,
Que sois poderosos em força, que cumpris as Suas ordens,
sempre dóceis à Sua palavra" (Sl 102/103,20).
Este último versículo do Salmo 102 indica que os anjos tomam parte, do modo que lhes é próprio, no governo de Deus sobre a criação, como "poderosos"...que cumprem as suas ordens segundo o plano estabelecido pela Divina Providência. Em particular estão confiados aos anjos um cuidado especial e solicitude pelos homens, em nome dos quais apresentam a Deus os seus pedidos e as suas orações, como nos recorda, por exemplo, o Livro de Tobias (cf. especialmente Tb 3,17 e 12,12), enquanto o Salmo 90 proclama:
"Mandou os Seus anjos....Eles te levarão nas suas mãos,
Para que não tropeces em pedra alguma" (cf. SI 90/91,11-12).
Seguindo o Livro de Daniel pode-se afirmar que as tarefas dos anjos, como embaixadores do Deus vivo, abrangem não só os homens individualmente e aqueles que têm especiais tarefas, mas também nações inteiras (Dn 10,13-21).
3. O Novo Testamento põe em realce as tarefas dos anjos em relação à missão de Cristo como Messias, e primeiro que tudo em relação ao mistério da encarnação do Filho de Deus, como verificamos na descrição do anúncio do nascimento de João, o Batista (cf. Lc 1,11), na do próprio Cristo (cf. Lc 1,26), nas explicações e disposições dadas a Maria e a José (cf. Lc 1,30-37; Mt 1,20-21), nas indicações dadas aos pastores na noite do nascimento do Senhor (cf. Lc 2,9-15), na proteção ao recém-nascido perante o perigo da perseguição de Herodes (cf. Mt 2,13).
Mais adiante os Evangelhos falam da presença dos anjos durante os 40 dias de jejum de Jesus no deserto (cf. Mt 4,11) e durante a oração no Getsêmani (Lc 22,43). Depois da ressurreição de Cristo será ainda um anjo, sob a aparência de um jovem, que dirá às mulheres que tinham ido ao sepulcro e ficaram surpreendidas por o encontrar vazio: "Não vos assusteis. Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado. Ressuscitou, não está aqui... Ide, pois, dizer aos Seus discípulos..." (Mc 16,5-7). Dois anjos foram vistos também por Maria Madalena, que é privilegiada com uma aparição pessoal de Jesus (Jo 20,12-17; cf. também Lc 24,4). Os anjos "apresentam-se" aos apóstolos depois de Cristo desaparecer, para lhes dizer: "Homens da Galiléia, por que estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus, que vos foi arrebatado para o Céu, virá da mesma maneira, como agora O vistes partir para o Céu" (At 1,10-11). São os anjos da vida, da paixão e da glória de Cristo. Os anjos daquele que, como escreve São Pedro, "subiu ao Céu, e está sentado à direita de Deus, depois de ter recebido a submissão dos anjos, dos principados e das potestades" (1 Pd 3,22).
4. Se passamos à nova vinda de Cristo, isto é, à "Parusia", encontramos que todos os sinópticos narram que "o Filho do Homem virá na glória de Seu Pai, com os santos anjos" (tanto Mc 8,38; como Mt 16,27; e Mt 25,31 na descrição do juízo final; e Lc 9,26; cf. também São Paulo, 2 Ts 1,7). Pode-se portanto dizer que os anjos, como puros espíritos, não só participam, do modo que lhes é próprio, da santidade de Deus mesmo, mas nos momentos-chaves rodeiam Cristo e acompanham-na no cumprimento da Sua missão salvífica em relação aos homens. Igualmente ao longo dos séculos, também toda a Tradição e o magistério ordinário da Igreja atribuíram aos anjos este particular caráter e esta função de ministério messiânico.